Dois ditados populares bem conhecidos tratam das decisões judiciais e, curiosamente, parecem bem antagônicos, a saber: (1) De cabeça de juiz, pata de cavalo e barriga de mulher gravida, nunca se sabe o que sairá; e (2) Decisão judicial não se discute, se cumpre!
A partir e na esteira dessa introdução, comento uma pequena nota publicada no jornal Zero Hora, página 2, do dia 14 de agosto de 2018 e a repercussão que ela teve no dia imediatamente seguinte, na mesma página 2. A nota inicial referia basicamente que “qualquer advogado sabe que a imensa maioria dos magistrados não lê os processos que julga”. No dia seguinte, o Judiciário reagiu fortemente a essa publicação, tanto que o articulista teve de escrever “Não houve qualquer intenção de desmerecer o trabalho dos juízes, mas, sim, de alertar para a sobrecarga de trabalho, conforme consta no mesmo texto, e para a importância de uma assessoria qualificada”.
Como advogado, além de estar atento a esse tipo de debate, obviamente, cabe refletir e tentar construir uma posição sobre esse delicado e importantíssimo tema. Particularmente, entendo indiscutível que o número de processos em nosso país é estonteante e não parece ser solução promover concursos públicos para que se tenha quantidade compatível de juízes para atender esse numero de demandas judiciais. Entendo que seria tratar a consequência e não o problema! E, penso, abordar esse assunto demandaria muito mais tempo e, por isso, não vou trata-lo nesse momento. Escreverei especificamente sobre uma realidade que percebo e o que penso que está acontecendo na prática.
Antes, cumpre destacar que aqui no Escritório temos adotado uma postura muito clara e objetiva de tentar evitar a ação judicial de todas as maneiras. Nossos clientes sabem e testemunham que buscamos sempre a tentativa extrajudicial de solução de problemas/litígios, em função de razões bem claras, a saber: (a) os processos judiciais são demorados e envolvem custos e riscos; e (b) é fato que percebemos a baixa qualidade e profundidade das decisões judiciais, a ponto de termos a nítida percepção que o julgador efetivamente não leu o que está nos autos! Ante essa constatação, volto ao inicio desse texto e a polêmica provocada pelo articulista da Zero Hora.
E escrevo para abordar uma situação bem específica que tenho percebido e que entendo está diretamente vinculada a esse debate, qual seja: a quem pode interessar um Judiciário que não esteja conseguindo, pela razão que for, decidir com profundidade e atento ao que está no processo??? Pode até haver outros personagens, mas consigo identificar grandes empresas que possuem grande número de processos, notadamente bancos, seguradoras, operadoras de telefonia, de energia elétrica, etc, nas ações que envolvem a Relação de Consumo entre as partes (ações de massa/volume, como chamam).
Com efeito, e como relatei linhas atrás, há algum tempo tentamos inicialmente aqui no Escritório a via administrativa/extrajudicial para solução de litígios, especialmente aquelas situações que referem nitidamente RELAÇÃO DE CONSUMO. Nesses casos, formalizamos e protocolamos nas sedes das grandes empresas Notificações Extrajudiciais narrando o problema e sugerindo a solução, com larga vantagem à empresa Notificada, já anunciando ótimas condições para solução do problema. No inicio, essa estratégia se mostrou extremamente saudável e positiva para todos envolvidos. Evidente que na nossa Notificação já anexamos robusta prova de nossas alegações e sempre foi dado um prazo para empresa analisar e responder.
Todavia, de uns tempos para cá, temos percebido que essas empresas não se mostram mais abertas ou dispostas a seguir nessa via extrajudicial para esses casos de RELAÇÃO DE CONSUMO. Até nem afirmam isso expressamente (por escrito), mas já não apresentam resposta num prazo razoável e apresentam outros obstáculos para essa “via alternativa”. Temos notado essa realidade e, obviamente, estamos buscando entender as razões para essa situação.
Pois uma das explicações que nos parece mais plausível para esse acontecimento está exatamente no fato dessas empresas estarem percebendo a falta de qualidade das decisões judiciais! E, voltando ao debate inicial desse texto e provocado pelo articulista do jornal, essa falta de qualidade pode estar relacionada a quantidade infernal de processos, mas, se for isso, a situação só tende a piorar, a menos que o próprio Poder Judiciário mude sua postura.
Com efeito, e na linha do que está escrito acima, atribuímos a queda de qualidade das decisões ao fato da decisão pouco considerar a PROVA produzida na instrução da lide. Mais que isso, e ilustrando o que aqui é exposto, há casos em que há inversão do ônus da prova (Relação de Consumo), a Ré não faz nenhuma prova (até peticiona para referir que não tem documento) e, mesmo assim, a decisão é tímida e parece não considerar esses aspectos. A impressão que se tem é que o texto da decisão é padrão ou muito parecido para situações similares anteriores, independentemente do caso concreto. E por mais que seja demonstrado e provado que foram varias tentativas de solução extrajudicial da situação, que foram várias ligações para “call center”, o que temos reparado é que está cada vez mais difícil obter condenação dessas empresas na reparação pelo Dano Moral pelo enorme desgaste e custos com toda situação. Isso é tão evidente que optamos por não mais fazer pedidos de reparação dos danos imateriais, uma vez que não estão sendo concedidos (e gerando sucumbência), ou quando concedidos, envolvem valores irrisórios.
Enfim, para concluir esse ponto desse enorme debate, entendemos que um dos efeitos nefastos e perversos da falta de qualidade das decisões judiciais é que as grandes empresas parecem estar descobrindo que deixar uma ação tramitar por longos meses ao invés de tentar solucionar o problema administrativamente é bem menos oneroso ou, em outra palavras, muito mais barato e representa lucros ainda mais extraordinários. Resultado disso: teremos cada vez mais processos e o judiciário cada vez mais inviável.